Minha filha não é trans. Ela é uma moleca.

“Eu só queria confirmar”, a professora disse. “Sua criança quer ser tratada como menino, certo? Ou é um menino que quer ser tratado como menina? Qual é a situação mesmo?”.

Inclinei minha cabeça. Estou acostumada a corrigir desconhecidos, que confundem minha filha de 7 anos com um menino 100% do tempo.

Na verdade, adoro corrigi-los, fazê-los reconsiderar suas percepções sobre qual seria a aparência de uma menina.

Mas já fazia 6 meses que minha filha frequentava o programa escolar no qual esta mulher trabalhava.

“Ela é uma menina”, eu disse. A mulher não pareceu estar convencida. “Sério. Ela é uma menina, e você pode se referir a ela como menina”.

Mais tarde, quando contei essa conversa para minha filha, ela disse: “Mais meninas deveriam se parecer comigo, daí ficaria mais popular e os adultos não ficariam confusos”.

A minha filha usa calças de moletom e camisetas. Ela tem cabelo curtinho e desgrenhado (ela pediu ao cabeleireiro que cortasse como “o Luke Skywalker no Episódio IV”). A maioria dos seus amigos são meninos, mas não todos. Ela gosta de esportes e é forte, incrivelmente meiga, e uma menina.

Porém, ela é questionada pelo seu pediatra, por suas professoras, por pessoas que a conhecem há muitos anos, sobre se ela se sente como, ou quer ser chamada de, ou quer ser um menino.

De muitas maneiras, isso é maravilhoso: mostra uma sensibilidade muito necessária à não-conformidade de gênero e às questões sobre transgeneridade (*). É atencioso da parte dos adultos perguntarem isso a ela — no início.

Mas quando eles continuam a questionar sua identidade de gênero — e se mostram céticos ao ouvir a resposta dela —, a mensagem que eles enviam é que uma menina não pode ter a aparência dela e agir como ela age e ainda ser uma menina.

Não é não-conformidade de gênero. É não-conformidade aos papéis de gênero. Ela não se encaixa nos moldes que nós, adultos — que cada vez mais nos afastamos de papéis de gênero milenares, com mulheres trabalhando fora de casa e homens participando do âmbito doméstico —, ainda impomos às nossas crianças.

Se fosse escolha deles, será que meninos não usariam rosa? (Esta é uma pergunta retórica — rosa foi considerado uma cor “de menino” durante décadas.) Será que meninas naturalmente rejeitariam carrinhos de brinquedo? É claro que não, mas se elas mostram preferência por essas coisas, nós as rotulamos. De algum jeito, ao expandirmos nossa consciência sobre e nosso apoio à não-conformidade de gênero, limitamos nossa visão sobre como um menino ou uma menina devem se parecer e o que podem fazer.

Deixe-me explicar: Se minha filha de fato começar a sentir que o gênero em sua cabeça e o sexo em seu corpo não combinam, eu vou apoiá-la (**). Eu vou pesquisar sobre bloqueadores de puberdade e hormônios (mais do que já pesquisei). Eu vou escutá-la e tomar decisões de acordo, assim como eu fiz quando já ela fez 3 anos e pediu uma gravata e uma camisa de botões. Então, ela viu o pai dela usar um blazer (uma vez na vida). Seus olhos se arregalaram e ela perguntou “O que é aquilo?”, como se estivesse vendo um arco-íris duplo no céu.

Ela estava apaixonada por um visual. Este visual evoluiu — infelizmente, ela passou da gravata e blazer da Patti Smith para a camiseta manchada e calças de moletom de um cara qualquer. Mas foi, sempre, apenas um visual, mesmo que ele tenha vindo acompanhado de uma rejeição às princesas (o que também me deixa feliz) e uma disposição por brincar de família com meninos ou meninas, contanto que ela possa ser o cachorro ou uma policial.

Eu quero que crianças trans (***) sintam-se livres e seguras o bastante para serem quem elas são. Eu também quero que adultos tenham uma ideia fluida o bastante sobre papéis de gênero para que uma menina de 7 anos possa se vestir “como um menino” e não ser questionada — por pessoas que a conhecem, não desconhecidos — sobre se ela é um.

A mensagem que quero passar para minha filha é esta: Você é uma menina maravilhosa por não ceder à pressão para ser e se parecer de certa maneira. Eu quero que ela tenha orgulho de ser uma menina.

E ela está começando a ter. Ela já está atenta aos direitos das mulheres. Ela não entende por que esportes tem times separados por sexo, por que mulheres ganham menos e por que elas não governam o país. Ela se identifica como uma “moleca”, porque foi isso que algumas crianças da escola disseram que ela era. Quando crianças dizem que ela está no banheiro errado, ela responde “Eu sou menina”, e, invariavelmente, eles respondem: “Ah, ok”.

As crianças entendem. Mas os adultos, não. Ao celebrarmos a diversidade de identidades sexuais e de gênero, também devemos celebrar molecas e outras meninas que estão fora dos limites estreitos impostos por papéis de gênero. Não diga a elas que elas não são meninas.

A minha filha é feliz com o corpo dela e confortável com a aparência dela, mil vezes mais feliz e mais confortável do que eu sou ou fui em qualquer momento. Ela é meu herói. Ou melhor, minha heroína.


Notas

(*) Na verdade, é exatamente por causa da popularização da ideia de transgeneridade que as pessoas acreditam que esta moleca seja, de fato, um menino.

(**) Nós, do site, não encorajamos de forma alguma que crianças e adolescentes sejam submetidas a bloqueadores de hormônios, hormonizações e cirurgias.

(***) Não existe criança trans. Estas crianças são, simplesmente, crianças fora dos estereótipos, e isso é ótimo.

Traduzido de : https://www.nytimes.com/2017/04/18/opinion/my-daughter-is-not-transgender-shes-a-tomboy.html

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