Me desculpem, mas não existe crianças trans

Quando a religião predominava como reguladora do mundo, tudo que ela considerava fora de seus rígidos padrões de comportamento caía na categoria de pecado. E os pecadores pagavam seus pecados até virando tochas vivas nas fogueiras da Inquisição.

Com o advento das ciências médicas e afins, o que era pecado virou doença ou anormalidade. Os pecadores de antes viraram doentes ou anormais por não se encaixarem nos padrões dos novos reguladores do mundo. E psicólogos, psiquiatras, sexólogos e outros tantos ditos “especialistas” no comportamento humano se revelaram pródigos em criar problemas para depois se propor como fornecedores de soluções.

De homossexuais, transexuais, centauros e unicórnios

Uma de suas mais conhecidas invenções, desenvolvida na segunda metade do século XIX, foi “o homossexual”, “o terceiro sexo“, criatura tida como possuidora de uma “alma feminina em um corpo masculino” ou de uma “alma masculina em um corpo feminino”. E saíram os doutos senhores inclusive a buscar por características anatômicas nesses invertidos que comprovassem suas fantasias. E como quem procura acha, não é que acharam as tais diferenças!? Modo de dizer, claro.

Foi preciso chegar a 1990, mais de um século depois da invenção do homossexual pelos “especialistas”, para homens e mulheres, que preferem amantes e amores de mesmo sexo, conseguirem tirar sua orientação sexual da classificação internacional de doenças. Classificação – claro – obra dos próprios “especialistas”. E tal façanha ainda não é consenso, haja vista a recorrente historinha da tal “cura gay”. Saiu da moda, porém, entre a maioria dos “especialistas” atuais, considerar “os homossexuais” como doentes.

Entretanto, a ideia de gente presa em corpo errado nunca deixou de cativar os corações e mentes dos “especialistas”. Tanto que, com nova perspectiva, retomaram a historinha criando agora a figura do “transexual”, desta feita em meados do século passado (anos 50/60). O transexual é a criatura tão descontente com seu sexo de nascimento, em tal sofrimento com essa condição, que só tratamentos hormonais e mesmo cirurgias de reatribuição sexual, ou mais popularmente, de mudança de sexo, podem resolver seu problema.

Essa história de transexual me lembra o aforisma do Millôr Fernandes sobre o comunismo. Dizia o genial frasista: “O comunismo é uma espécie de alfaiate que quando a roupa não fica boa faz alterações no cliente.” Os “especialistas” são desse tipo de alfaiate que faz alterações no cliente porque ele não consegue se sentir bem na roupa de gênero que a sociedade lhe deu. Obviamente o problema reside na roupa de gênero (verdadeira camisa de força) e não no cliente, porém é mais fácil e gratificante, em múltiplos sentidos, fazer alterações no paciente.

Não deixa de ser irônico que, sobre esse tema, conservadores e “especialistas”, considerados em geral “progressistas”, comunguem da mesma perspectiva. Os chamados papéis de gênero (masculino e feminino) são impostos a meninas e meninos pela educação diferenciada. Nada tem a ver com o sexo natural das crianças, lembrando que a natureza só passa a distinguir efetivamente os sexos na puberdade. Durante a infância, meninas e meninos são praticamente indistinguíveis, a não ser para os que podem ver seus genitais.

Quem estabelece a diferença entre a garotada, na tenra idade, não é a natureza e sim a sociedade. A educação diferenciada começa já desde o berço, com a roupinha cor-de-rosa idiota para a menina e o azul para o menino, estendendo-se, por toda a infância, por meio de roupas e cortes de cabelo diferentes para ambos os sexos. Também via brinquedos e brincadeiras diferentes para meninas e meninos. E, para garantir que as crianças caibam na roupa de gênero que lhes foi designada, vale tudo, desde induções várias até a repressão dos menos domesticáveis.

Trata-se de fato do primeiro grande massacre contra a individualidade das pessoas porque, na infância, elas não têm como se defender. São como massinhas de modelar que os pais e a sociedade empurram para forminhas pré-estabelecidas em detrimento de suas características (de cada criança) de personalidade, temperamento, índole. Todas as meninas têm que caber na forminha do feminino. Todos os meninos na forminha do masculino. Caso contrário, os conservadores apelam para a porrada, como nas falas atravessadas do deputado Jair Bolsonaro, e os “especialistas”, agora, para a mudança de sexo.

Papéis de gênero não são naturais e não existem crianças trans

E aqui chegamos ao tema central dessa postagem. Que gente adulta, maior e vacinada queira mudar de sexo, porque acha que nasceu no sexo errado ou seja lá pelo que for, é um direito que a assiste. Acho que adultos pagam bastante caro, em vários sentidos, para incorporar uma fantasia, uma convenção criada pela sociedade conservadora. Entretanto, o ser humano vive buscando alterar sua aparência de diferentes formas, por diferentes vias. Dermatologistas e cirurgiões plásticos contam hoje com um fantástico arsenal para mudar o visual das pessoas, às vezes para melhor, às vezes para ficarem parecendo um ET, como no caso do Michael Jackson. Os tratamentos de mudança de sexo são formas radicais de body modification (modificação do corpo), tais como tatuagens no corpo inteiro, escarificações e outras tantas de espantar a muitos…

O texto continua no blog Contra o Coro dos Contentes, aqui: http://www.contraocorodoscontentes.com.br/2014/06/que-conservadores-e-progressistas-me.html